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“Faço frases com juntas quebradas. Meus pés estão
quebrados… E as mãos pouco viveram para ter o que consertar. Escrevo na
ausência de poesia, porque poesia é a vida que se leva. E é a vida que
me leva. E o que me leva são dois pés esquerdos todas as manhãs, na
ausência do encaixe. Ainda não inventaram sapatos e decepções com formas
maiores e deformadas para que caibam dedos curtos e vincos gotejantes.
Escrevo na ausência da estrada, porque retinas massoquistas se acostumam com
o escuro da existência. Pior do que ser um cego a meio de um tiroteio, é
ser vivente em meio ao caos da vida, de olhos abertos, desviando de cada
bala perdida, acertadas em cheio na coluna vertebral da normalidade
fracionária. E o que quero dizer é que não sei mais o que dizer. A
verdade é que eu nunca disse nada. Passei a vida inteira calando o óbvio
para dar voz ao surdo-mudo da pureza. Tão puro que nada vê, tão puro
que nada sabe. Tão irreal quanto o branco do papel que absorve todas as
cores, todas as carnes, todos os amores. A vida que eu levo não é a vida
que eu escrevo. A vida que eu levo é a vida que eu ando, a vida que
brota na poeira, que cria casca nos matos, nunca raízes. Pra vida que eu
ando correndo, eu mal sei gatinhar. Pra vida que eu ando arrastando,
eu só sei pedir pra parar. Nunca parei. Amanhã eu sossego, amanhã eu
escrevo, amanhã eu quero. Os pés de ontem não contam mais. Escrevo na
ausência do meu cansaço, porque os tais pés não aprenderam a escrever.
Com dois pés esquerdos, na ausência da poesia, na ausência da estrada,
na ausência da escrita, eu caminho errado, eu escrevo errado, eu vivo
errado. E viver é um erro sem volta.”
- Cinzentos (source: Tumblr)
- Cinzentos (source: Tumblr)
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