Evasão

Olha para trás. Contempla(-nos). Já está? Agora, fecha os olhos. O que vês? O que sentes? Será que me vês? Será que (ainda) me sentes? Tenho-te entranhado na pele, até ao mais ínfimo pedacinho de mim. O teu cheiro teima em não desaparecer da minha almofada, ainda que isso seja apenas fruto do meu desejo de te ter junto a mim, de novo.
Naquele dia, senti que nos perdi. Senti-me incompleta, como se me tivessem arrancado metade do coração e me tivessem deixado a outra metade, em sinal de sofrimento (ainda assim não mo tivessem levado logo por inteiro!). E para dizer a verdade, nesse dia, perdi-me a mim também. Perdi-nos, como o sol se perde no horizonte ao fim da tarde: sereno, pacífico, pleno, intocável. Felizmente, não te perdi a ti; ou, pelo menos, não enquanto parte de mim. Porque ainda que tudo isto pareça absurdo e desmedido, tu irás sempre fazer parte de mim - escreve o que digo, pois nunca te menti.
Às vezes, quando as emoções tendem a transbordar-me pelos olhos, dou por mim a observar o vazio, vezes e vezes sem conta. Nesse momento, não sinto nada. O pior é mesmo "cair na real". Penso que seja aí que me deparo com os sentimentos que julgo não sentir na maior parte do tempo, e no entanto estão lá, a atormentar-me, a roubar-me o sono, a afastar-me do bem. As horas passam lentas, esteja eu onde estiver, com quem estiver. Não sei quem sou. Ou, pelo menos, já não o sei como sabia. Encontro-me sem saber responder a um simples "Está tudo bem contigo?", devido a esta dormência que me percorre o corpo não desaparecer nem por nada. É como se já não soubesse descrever o que sinto. Por vezes, chego mesmo a sentir-me insensível: vazia. E logo eu, que sempre me mostrei tão convicta daquilo que sentia. Mas eis que sinto os olhos encherem-se de água, e concluo que afinal não me tornei nenhum cubo de gelo. E ainda bem.
Ainda assim, vagueio pelas memórias. Percorro-as uma a uma e eis que me encontro, por momentos, de coração cheio e apertado. Eu não tenho certezas; nunca as tive, para ser sincera. Mas exponho, aqui, de peito aberto, a única coisa à qual me consigo agarrar: uma réstia de esperança. Ela aguarda-nos, sabes? Não sei onde, nem quando e, muito menos, porquê; só sei que ela está à nossa espera. Ela é pequena, mas viril. É pura, ainda que utópica. É diferente... como nós. E mesmo que tudo isto aparente ter uma pitada de loucura, eu posso garantir: a nossa história ainda não acabou.

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